No (em) que acreditar...?

"Não se deve pensar o Ocidente em termos regionais, em contraste com o Oriente, nem tampouco em termos de Europa, e sim na perspectiva da história do mundo, a partir da proximidade da origem primeira. [...]

Nessa proximidade cumpre-se, caso um dia isso venha a acontecer, a decisão com relação a se e como Deus e os deuses se negam e continua a noite, a se e como o dia do sagrado amanhece, a se e como no alvorecer do sagrado podem novamente aparecer Deus e os deuses. Mas o sagrado, que é o espaço essencial da divindade, que por sua vez é a única dimensão em que os deuses e Deus podem se manifestar, só pode se mostrar se antes, depois de longa preparação, o próprio ser se revelar, deixando-se experimentar na sua verdade.

Só assim pode-se começar a superar aquela condição apátrida em que erram extraviados não apenas os homens mas a própria essência do homem."

M. Heidegger, Lettera sull' "umanismo" (1947)

O que resta de autenticamente religioso em uma época como a nossa, em que, mais do que em outras, se registra uma explosão de formas diversas de espiritualidade?

Além das fúlgidas aparências, o Deus invocado de formas diversas em muitas línguas, em muitos ritos e em variadas formas de religiosidade parece, na verdade, despedir-se do mundo e deixar apenas um desejo infinito de proteção, conforto, segurança: ou seja, apenas o resto exangue da história e da tradição do cristianismo, muito atrasado para governar um tempo dominado pelas implacáveis descobertas técnico-científicas. Solicitando à técnica que não faça o que pode fazer, a ética cristã aparece como patética.

Em situação semelhante encontra-se a ética leiga num mundo que se tornou incerto pelo fato de que, hoje, a capacidade de fazer do ser humano é superior à sua capacidade de prever e de governar a história.